quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Dossiê : Marxismo, feminismo e "estudos de gênero".

“Qual a contribuição que a teoria marxista produziu e pode oferecer para a análise
e a crítica da situação das mulheres nas sociedades de classes, particularmente na
sociedade capitalista?


Marxismo e feminismo : afinidades e diferenças.
Maria Lygia Quartim de Moraes1


De Karl Marx a Juliet Mitchell

O marxismo e a psicanálise constituem as duas maiores revoluções teóricas do milênio. Ambas, à
sua maneira, provocaram profundas e irreversíveis mudanças no campo das idéias e no campo das
práticas sociais. A grande obra teórica do marxismo persiste sendo O Capital. A análise da
dinâmica da luta de classes e a especificidade de funcionamento do modo de produção capitalista
– a contradição entre o crescente desenvolvimento das forças produtivas e as relações de
produção – permanecem válidas em todos os seus pressupostos e desdobramentos. A tendência
avassaladora do capitalismo; o impulso ao aperfeiçoamento técnico; o inexorável crescimento da
magnitude do capital e sua centralização nas mãos de um número menor de bilionários, estão
entre as leis definitivamente estabelecidas por Marx.
No tocante à "questão da mulher,"a perspectiva marxista assume uma dimensão de crítica radical
ao pensamento conservador. Em A origem da família, da propriedade privada e do Estado2 a
condição social da mulher ganha um relevo especial pois a instauração da propriedade privada e a
subordinação das mulheres aos homens são dois fatos simultâneos, marco inicial das lutas de
classes. Nesse sentido, o marxismo abriu as portas para o tema da “opressão específica”, que
seria retomado e retrabalhado pelas feministas marxistas dos anos 1960-70. Na Ideologia alemã,
de 1846, a instituição da família aparece como um dos momentos de passagem para a sociedade
de classes. Esta hierarquização processa-se no interior do próprio processo de trabalho pois, como
assinalam, Marx e Engels:

a divisão do trabalho repousa sobre a divisão natural do trabalho na família e
sobre a separação da sociedade em famílias isoladas e opostas umas as outras,
– e esta divisão do trabalho implica ao mesmo tempo na repartição do trabalho
e de seus produtos; distribuição desigual, na verdade, tanto em quantidade
como em qualidade; ela implica pois na propriedade; assim, a primeira forma,
o germe reside na família, onde a mulher e as crianças são escravas do

____________________
1 Professora do Departamento de Sociologia, IFCH, UNICAMP.
2 ENGELS, Frederick. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo. Ed. Civilização
Brasileira, 1977.


homem. A escravidão, ainda latente e muito rudimentar na família, é a
primeira propriedade.3
No Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels reafirmam a mesma identidade entre a
opressão da mulher, família e propriedade privada, preconizando a abolição da família como meta
dos comunistas.4 Assim, a ênfase na historicidade das instituições humanas permitiu a
compreensão da família como fenômeno social em que a divisão social do trabalho é também
uma divisão sexual entre funções femininas e masculinas. Mais do que isso: abriu espaço para
novos tipos de projetos e relações entre os sexos. Com Engels e Marx, as feministas da esquerda
européia, nos anos 1960-70, puderam construir uma "teoria da opressão" e partir para a luta.
A inegável influência marxista nas formulações feministas não significa, por outro lado, que o
marxismo possa dar conta por completo da "questão da mulher". No seu livro Women's Estate,
cuja primeira edição data de 1966, Juliet Mitchell, jovem intelectual inglesa do grupo da New Left
Review, parte da dialética entre os ditames da produção econômica e as contingências do processo
de reprodução da espécie para explicar a situação da mulher na sociedade. A dialética "produçãoreprodução
social", nos termos da autora, define o lugar da mulher nas sociedades de classe. A
mulher é explorada no trabalho e confinada à casa. Sua submissão e seu lugar subalterno na vida
econômica seriam compensadas pela seu poder na família:

A situação das mulheres é diferente da de outros grupos sociais oprimidos:
elas são a metade da humanidade (…) … à mulher é oferecido um mundo
próprio: a família. Exploradas no trabalho, relegadas à casa: estas duas
posições compõem sua opressão.5

O pensamento conservador toma a família como uma entidade supra-histórica, uma instituição
sempre idêntica, na qual as funções e papéis são "naturalmente" como masculinos e femininos. A
ideologia do “natural, ressalta Juliet Mitchell, visa justamente obscurer a historicidade da família
e das funções nela desempenhadas pelas mulheres:

“Fala-se da mulher, da família como se fossem sempre as mesmas.... Assim,
a análise da feminilidade e da família devem se um todo monolítico: mãe e
filho, lugar de mulher. . . seu destino natural”.6

A idéia de destino natural tem de ser "desconstruída" e, nesse sentido, a teoria socialista do
passado não chegou a isolar os diferentes elementos da condição feminina que formam uma
estrutura complexa e não uma unidade simples. Não é possível reduzir a opressão da mulher a
uma única dimensão, como formula Engels, nem mesmo equacioná-la como símbolo da opressão
geral, como afirma Marx em seus primeiros escritos. “É preciso pensá-la como uma estrutura
específica, isto é, como unidade de elementos diferenciados", preconiza Mitchell7”.
De fato, as vicissitudes da condição feminina decorrem da complexa dialética entre os papéis e
lugares socialmente atribuídos às mulheres e que dizem respeito, especialmente, ao lugar na
produção dos bens (a esfera da produção), à sexualidade e ao cuidar das crianças. Juliet Mitchell
constata os limites do marxismo para o entendimento das diferenças sexuais e seus componentes

_______________
3 MARX, K. e ENGELS, F. L’idéologie allemande. Paris, Editions Sociales, 1970, p.47.
4 MARX, K. Oeuvres. Paris, Pléiade, 1965, p.178.
5 MITCHELL, Juliet.Woman's Estate.England:Penguin Books, 1971, p.99.
6 Idem, p.100.
7 Idem p.167

psíquicos concluindo que só a psicanálise, como ciência do inconsciente, fornece a chave teórica
para a questão das diferenças sexuais. Freud, com a descoberta do inconsciente, revelou a
importância da dimensão psíquica, criando um novo continente teórico8. A psicanálise, na sua
dupla dimensão de teoria e de prática clínica, nos ajuda a entender como "a mulher torna-se
mulher". E o "ser mulher"passa pela subjetividade, por processos psíquicos através do qual
construimos um "eu", mais ou menos estruturado.9 Desta maneira, o feminismo radical dos anos
70 apropriou-se não somente do marxismo como teoria revolucionária – falava-se da "libertação
feminina" – quanto da psicanálise e do amplo caminho aberto pela descoberta dos processos do
inconsciente humano.

O feminismo brasileiro

Os movimentos feministas tiveram força política suficiente para impor a década da mulher
instituída pela ONU (1975/85) e de manter a questão da desigualdade como tema na chamada
"pauta dos direitos humanos". O feminismo dos anos 60-70 enfrentou a Igreja Católica e aos
conservadores, na Itália e França, conquistando o direito ao divórcio e ao aborto por plesbicito
nacional, com o apoio da esquerda socialista e comunista. Ao mesmo tempo, o feminismo ganhou
visibilidade quando as mulheres passaram a organizar-se autonomamente, no quadro da nova
esquerda, à margem dos partidos tradicionais .
No Brasil, a importância do feminismo marxista/socialista refletiu-se na grande recepção que suas
teses tiveram junto aos movimentos sociais. As feministas atuavam nos clubes de mães, nos
movimentos de base, via de regra em parceria com a ala progressista da Igreja católica. Além do
trabalho "junto às bases populares", no jargão político daquele momento, as feministas que
militavam em S.Paulo, Rio de Janeiro e Recife lutavam também pela anistia, pelas liberdades
democráticas e pelo fim do regime militar.
As feministas marxistas brasileiras incluiam em sua bibliografia obrigatória autores como Marx,
Engels, Alexandra Kollontai, Simone de Beauvoir e Juliet Mitchell. As preferências literárias das
feministas revelam a preocupação com certas questões centrais para as quais o marxismo fornecia
um modelo explicativo. Urgia enfrentar o discurso conservador que preconizava a conformidade
da mulher com seu destino de mãe e esposa. A defesa da “família” como instituição universal e
supra-histórica fazia parte do ideário patriarcal que era preciso combater. Além do mais, era
importante lutar pela emancipação econômica da mulher, pelo direito ao trabalho e,
concomitantmente, contra as desigualdades sofridas em termos de salários e postos. Igual salário
para igual trabalho era a primeira das reivindicações com relação à esfera econômica. A análise
dos editoriais e temas da imprensa feminista, especialmente o jornal paulista Nós Mulheres
(76/79) revela a influência do marxismo – o discurso da opressão específica da mulher, com sua
dupla jornada de trabalho – e a primazia de artigos sobre trabalho e política.

A década dos anos 80 inicia-se com duas importantes vitórias das forças de oposição à ditadura
militar: a anistia política e o retorno ao voto, com as eleições de 82. As sementes plantadas pelas
feministas deitaram raízes, como se observa tanto no tocante às creches quanto nas importantes
mudanças da legislação, especialmente na área da família, que foram incorporadas à Constituição

__________________
8 ALTHUSSER, Louis:Freud e Lacan e Marx e Freud 3ºed. São Paulo, Graal, 1991.
O feminismo também colaborou em novas orientações para o estudo da psicanálise, especialmente referidas ao
esclarecimento do "continente negro" da feminilidade. Hoje existe uma extraordinária pletora de bons estudos sobre o
tema, como é o caso de Emilce Bleichmar e seu livro O feminismo espontâneo da histeria. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1988.
9 Foge do escopo desta exposição a questão da psicanálise, como teoria e como prática clínica. No entanto, constitui, a
meu ver, uma contribuição indispensável para pensarmos a questão da "opressão específica da mulher".

de 1988. Ao mesmo tempo, os anos 80 também marcam a consolidação da hegemonia dos
Estados Unidos e da retórica neoliberal. A crítica ao projeto do Estado de bem-estar social vem
acompanhada de ataques a seus defensores, que são chamados de "anti-modernizantes".
O solapamento das conquistas históricas dos trabalhadores e o agravamento da crise social
constituem o resultado mais evidente das políticas monetaristas e de privatização do patrimônio
público encetadas pelo neoliberalismo à brasileira de Fernando Henrique Cardoso. O processo de
desmonte dos direitos dos trabalhadores passa pela "flexibilizacão"do trabalho, vale dizer, pelo
incremento do número de trabalhadores sem carteira de trabalho e sem direitos. Pelos dados da
Pesquisa nacional de amostra a domicílio, entre 1990 e 1998, a porcentagem de trabalhadores sem
carteira, nas regiões metropolitanas, passou de 42% para 55%, enquanto que os níveis de
desemprego cresceram de 5% para 8%. Cerca de 50 milhões de brasileiros (33% da população
total) vivem abaixo da linha de pobreza enquanto 1% dos mais ricos concentra uma parcela da
renda superior aos 50% dos mais pobres.
Nesse quadro de desigualdade a situação das mulheres é ainda mais precária. Desta maneira as
mulheres, que constituem atualmente de 40 a 50% da força de trabalho, continuam ganhando
menos do que os homens e segregadas em alguns nichos profissionais, especialmente
relacionados ao "cuidar". Estudo recente de Lena Lavinas revela que, hoje, no país, cerca de 400
mil meninas de 10 a 15 anos trabalham como domésticas, em condições precárias – baixos
salários, dificuldades para continuar os estudos e com poucas perspectivas para o futuro. Ademais
da desvantagens que enfrentam no trabalho as mulheres são também as grandes responsáveis pela
esfera familiar. Entre 20% a 25% das famílias são chefiadas por mulheres sós o que dá a medida
do peso dos encargos domésticos e familiares. Nessas condições, como negar que as mulheres
continuam sofrendo os efeitos combinados da exploração de classe e da discriminação sexual?

As mulheres e a renovação do marxismo

Finalmente, invertendo os termos da questão proposta, acho importante ressaltar a importância
das contribuições teóricas de intelectuais do sexo feminino. O acesso ao conhecimento – fruto de
suas lutas e conquistas nos últimos cinqüenta anos – permitiu que as mulheres entrassem nos
campos da ciência institucional, das universidades e academias, bem como desenvolvessem novas
abordagens e problemáticas. No campo dos estudos da subjetividade, por exemplo, o volume e a
qualidade dessa contribuição ainda não foi devidamente valorizada. De Melanie Klein á Piera
Aulagnier, confirma-se o refinamento e aprofundamento das questões relativas à criança e à
sexuliadede feminina.
Também no campo do marxismo ocorre o mesmo fenômeno. Na vanguarda do marxismo, capaz
de pensar a realidade contemporânea sem cair em esquematismos nem em positivismos, destacase
a contribuição de Ellen Meiksins Wood. Seus estudos lançam novas luzes sobre o processo
histórico do aparecimento do capitalismo na Inglaterra10 e enfrentam questões de nossa atualidade
política. Com respeito ao tema da globalização da economia, seus pressupostos e consequências a
análise de Wood nos ajuda a pensar os dilemas da esquerda brasileira, dividida entre os que
acreditam que a "globalização" constitui um uma nova era, instaurada a partir dos anos setenta, e
seus opositores que estão convencidos de que a lógica fundamental do capitalismo permanece a
mesma. .
____________
10 Vide o artigo "As origens agrárias do capitalismo", publicado no número 10, de .junho de 2000 da Crítica Marxista.

Os defensores da globalização como mudança de qualidade apontam a internacionalização do
capital – mercado mundial, a internacionalização da economia e transferência da soberania da
nação-estado para as grandes corporações internacionais – como evidência desta ruptura com
relação ao capitalismo anterior.Para a autora, essa posição define especialmente as correntes
ligadas à social-democracia, que acreditavam nas possibilidades de uma "transição pacífica" do
capitalismo para o socialismo a partir da ampliação do Welfare Estate.
Do outro lado alinham-se todos que enxergam na "globalização"a continuidade da lógica
capitalista e, mais do que isso, a lógica do capitalismo que se universaliza e chega à maturidade.
Dito de outro modo, as mudanças ocorridas enquadram-se no processo de desenvolvimento
capitalista, de expansão global e permanente alteração das condições sociais. Não existe pois
ruptura mas a continuidade "da lógica sistêmica que governa desde o começo seus constantes
processos de mudança"11.
As conseqüências políticas destas duas posições são evidentes e podem também ser reconhecidas
no Brasil. Os defensores da nova era globalizada consideram que o triunfo do capitalismo é
definitivo e, nesta medida, tornam-se dóceis instrumentos das políticas neoliberais. Os marxistas
apontam para as contradições da expansão capitalista e suas nefastas conseqüências socias,
reconhecendo a força de seu poder corrosivo e a necessidade de superá-lo. Desta maneira, o
marxismo continua atual e atuante.

Qual a avaliação teórica e política que se pode fazer dos chamados “estudos de
gênero”, cujo desenvolvimento e influência têm ampliado nos últimos tempos?”

"Estudos de gênero" : limites de uma categoria analítica

Antes de mais nada, vamos situar nossa questão. A ampla literatura que hoje constitui o estudos
de gênero tem uma história que pode ser resumida da seguinte maneira : num primeiro momento,
nos idos de 1970-80, dominaram os estudos sobre a mulher e o principal impulso da produção de
e sobre mulheres estava relacionada às dimensões mais contestadoras e políticas. No Brasil, as
feministas de vanguarda militavam na esquerda e participavam da resistência à ditadura militar
brasileira. Muitas delas tinham vivido exiladas em algumas capitais européias, absorvendo
principalmente a experiência das feministas francesas e italianas. A influência das teses e temas
do feminismo europeu, próximo das correntes socialistas e marxistas, marcou portanto a primeira
fase do feminismo brasileiro e de sua produção teórica.
O feminismo norte-americano seguiu um rumo próprio, alheio ao marxismo e mais ligado aos
movimentos de "insubordinação civil". A grande derrota polîtico-militar dos Estados Unidos no
Vietnã foi também potencializada pelo forte movimento liderado por pacifistas e pelos jovens
universitários. A Universidade de Berkeley tornou-se a vanguarda dos movimentos contestadores
e do poder jovem. A luta libertária incluia as questões relacionadas à autoridade dos mais velhos
e ao conservadorismo do american way of life. A constestação era portanto de cunho mais
ideológico e cultural do que propriamento político. O pensamento de esquerda exercia-se por
meio de personalidades como Herbert Marcuse, autor de Eros e Civilização e professor em
Berkeley nos anos da contestação estudantil. Como se sabe, Marcuse não acreditava na
capacidade revolucionária do proletariado industrial e voltava suas esperanças para os novos

______________
11 WOOD, Ellen Meiksins "Capitalist change and generational shift". Monthly Review, vol 50, n5, 1998,p.3.

movimentos de jovens universitários, "hippies", feministas, negros e ativistas do movimento
homossexual.
Acompanhando a expansão dos movimentos feministas ganha impulso a edição de jornais,
panfletos e livros sobre temas relacionados à situação da mulher na sociedade. Em várias das
capitais do mundo ocidental surge um mercado editorial em torno do "estudos sobre a mulher".
Aos poucos, as instituições de amparo à pesquisas e universidades incorporam em seus currículos
disciplinas relacionadas à história das mulheres, abrindo espaço para novas abordagens. A própria
sistemática das pesquisas e censos começa a ser questionada, especialmente com respeito ao
ocultamento do trabalho feminino exercido nos limites do espaço familiar. Assim, os estudos
sobre a questão da mulher assumem também a dimensão de novas perspectivas de análise.
Desta maneira, a área temática que hoje chamamos de ""estudos de gênero" foi antecedida
históricamente pelos "estudos sobre a mulher", comprovando a passagem gradativa do
movimento social para a esfera acadêmica. Os "estudos sobre a mulher" dominaram nos anos em
que a militância feminista estava nas ruas ao passo que os "estudos de gênero" denotam a entrada
na academia de uma certa "perspectiva de análise". Não se trata mais de denunciar a opressão da
mulher mas de entender, teoricamente, a dimensão "sexista" de nosso conhecimento e os riscos
das generalizações.12 Atualmente, temos menos estudos sobre a mulher e mais estudos de gênero
que podem se referir aos homens – ou ao "gênero masculino"– como bem revelam os trabalhos
sobre "masculinidades" e "paternidades".
Já me referi anteriormente13 às dificuldades semânticas introduzidas pelo termo "gênero" no
concernente ao português. Enquanto que, em inglês, gender é um substantivo que designa
exatamente a condição física e/ou social do masculino e do feminino, a palavras "gênero", em
português, é um substantivo masculino que designa uma classe que se divide em outras, que são
chamadas de espécies. A mesma dificuldade ocorre com o francês, o que ocasionou o pouco
sucesso de tal expressão . Em seu lugar, fala-se de identidade sexual.
Assim, a expressão "relações de gênero", tal como vem sido utilizada no campo das ciências
sociais, designa, primordialmente, a perspectiva culturalista em que as categorias diferenciais de
sexo não implicam no reconhecimento de uma essência masculina ou feminina, de caráter
abstrato e universal, mas, diferentemente, apontam para a ordem cultural como modeladora de
mulheres e homens. Em outras palavras, o que chamamos de homem e mulher não é o produto
da sexualidade biológica mas de relações sociais baseadas em distintas estruturas de poder. A
categoria gênero ressalta a dimensão "flutuante" do ser homem e do ser mulher e, nessa medida,
precisa recorrer a outras teorias para dar conta desta situação de amálgama entre o ser biológico e
o ser social.
Robert Stoller, em artigo publicado em 196414 foi o primeiro a propor a utilização de uma
categoria que diferenciasse a pertinência anatômica ( o sexo) da pertinência a uma identidade
social ou psíquica (gênero). Para o autor, o "sentimento de ser mulher" e o "sentimento de ser
homem" são mais importantes em termos de identidade sexual do que as as características
anatômicas. Tal dicotomia apresenta-se, por exemplo, no caso do transexualismo.15 Nem todos

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12 A esse respeito ver o debate "Gênero, trajetórias e perspectivas", organizado por Karla Adriana Martins Bessa e
publicado pela revista Cadernos Pagu. (11)1998.
13 "Usos e limites da categoria gênero" in Cadernos Pagu (11)1998.p107-20.
14 "A contribution to the study of gender identity", IJP,45,1964. p.220-6.
15 Vide o verbete "gênero" in ROUDINECO,E. e PLON. Dicionário de Psicanálise.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1998.

concordam com a disjunção proposta por Stoller. Alertando para os riscos da dissociação radical
entre a biologia e a cultura, Marie Langer, com muita propriedade, declara que "como
psicanalista e médica, e, certamente, também como mulher, não posso imginar uma identidade
feminina e masculina sólida se o sexo biológico está em desacordo com ela".16 O que não
significa negar a plasticidade da sexualidade humana nem os notórios "deslocamentos" do
feminino e do masculino provocados pelas próprias mudanças e conquistas que transformam a
situação das mulheres.
Enquanto afirmação de que o sexo biológico é sobredeterminado pelos valores e atributos que a
cultura lhe confere, a categoria gênero se presta tanto ao uso das feministas marxistas como a de
qualquer pesquisador interessado nas consequências sociais da assimetria sexual. Já a perspectiva
feminista ressalta a dimensão da opressão universal sobre as mulheres, guardadas as diferenças
regionais e culturais e busca nas estruturas objetivas as marcas inequívocas da desigualdade: as
mulheres ganham menos e trabalham mais, no conjunto da população mundial, por exemplo. O
marxismo, por sua vez, é a teoria que nos ajuda a entender a natureza íntima do capitalismo, a
lógica de seu desenvolvimento, revolucionando permanentemente as condições de produção,
especialmente através do aumento da produtividade o que, por sua vez, determina a
proletarização da maior parte da humanidade. Que existe uma "questão da mulher" não há
dúvidas: os homens ainda concentram o poder econômico e político na maior parte do mundo e as
mulheres persistem sendo as grandes responsáveis pela família e pelo "cuidar" – dos filhos, da
casa e, cada vez mais, das finanças da família.
A categoria gênero, portanto, pode ser incorporada ao marxismo, assim como à piscanálise.
Inversamente, por ser uma categoria meramente descritiva, o gênero não sobrevive sem o
sustentáculo de teorias sociais e/ou psicanalíticas.
_____________
16 In: BLEICHMAR, Emilce.O feminismo espontâneo da histeria. Porto Alegre, Artes Médicas, 1988, p.33.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Louisa Holecz













Ela nasceu em Middlesex, Inglaterra em 1971. Depois de estudar uma licenciatura em Belas Artes, I set-up 'Divine Studios, uma empresa de pintura mural comercial. 
Em 2000 me mudei para Zaragoza, Espanha, onde agora vivem e trabalham.
Bachelor of Fine Arts de "Ocidente Surrey College of Art and Design", na Inglaterra, ea partir de 1994-2000, trabalhou em Londres como um pintor e muralista de espaços públicos e privados. Reside em Zaragoza desde 2000.













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terça-feira, 13 de agosto de 2013

Julia de Burgos

Julia de Burgos

a vida de Julia de Burgos fue intensa y definitivamente breve, aunque sin duda esta escritora puertorriqueña dejó un legado indispensable para la poesía. Nació en 1914, en el seno de una familia muy humilde; fue la única de trece hermanos en realizar estudios secundarios. Se graduó como maestra en la Universidad y comenzó a trabajar, realizando actividades sociales. Fue una activa promotora de la liberación de la mujer; a los 22 años de edad se unió al grupo Hijas de la libertad del Partido Nacionalista de su país, y estuvo a cargo del discurso La mujer ante el dolor de la Patria. En el año 1940 tuvo una experiencia muy positiva en Nueva York, donde recibió el merecido reconocimiento por su trabajo; sin embargo, cuando trece años más tarde Julia se dejó ahogar por el alcohol, esta misma ciudad enterró su cuerpo en una tumba anónima.
Burgos publicó dos poemarios y dio a conocer varias poesías sueltas; tras su fallecimiento, se editaron algunos libros más. La fuerza y profundidad tan particulares de esta brillante poetisa se pueden apreciar en "El mar y tú", "Poema perdido en pocos versos"


Silencio de angustia
Tengo el desesperante silencio de la angustia 
y el trino verde herido... 
¿Por qué persiste el aire en no darme el sepulcro? 
¿Por qué todas las músicas no se rompen 
a un tiempo a recibir mi nombre? 
-¡Ah, sí, mi nombre, que me vistió de niña 
y que sabe el sollozo 

que me enamora el alma!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O machismo anda ao lado da BURRICE






Lei nº 11.340 de 07 de Agosto de 2006

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Sexo, gênero e sexualidade.




Vivemos em um tempo e uma sociedade construída com seus caracteres comportamentais há
milhares de anos de civilização. Porém comportamentos diferentes oscilam no tempo e no espaço
da humanidade. Mas hoje é latente a identidade sexual de uma pessoa e o quanto isso provoca
impactos de sua vivência em sociedade.
O importante, porém difícil, é desmistificar o quanto à heterossexualidade posta como
modelo de comportamento de massa é um fenômeno cultural e não natural. E compreender
também que o gênero e a sexualidade são categorias culturais, construídas historicamente
através do comportamento humano. Sendo assim, devemos entender que exceto casos raros de
hermafroditismo ou outras situações biológicas atípicas, existem dois sexos: macho e fêmea.
Portanto o Sexo é uma categoria natural.
O gênero se trata de um conjunto de regras e comportamentos construídos historicamente
pelas civilizações, podemos dizer que existem dois gêneros: feminino e masculino. Portanto é
correto afirmar que não nascemos homem, nos tornamos homem, que não nascemos mulher, nos
tornamos mulher. Portanto o gênero é uma categoria cultural.
Já a sexualidade é a categoria mais dinâmica e multifacetada. Pois sexualidade são inúmeras
ou nenhuma. Por exemplo, a heterossexualidade pressupõe um comportamento sexual em que a
pessoa só se relaciona com pessoas do sexo oposto, ou seja, macho com fêmea. A bissexualidade de
que a relação pode ocorrer tanto com o sexo oposto ou o mesmo sexo. Na verdade a sexualidade é
um fenômeno humano, histórico, e é posto como item de identidade normal ou anormal, errada ou
certa, por religiões, por sociedades e culturas de formas diferentes.
Portanto é importante compreendermos este mecanismo para compreender e combater
o preconceito de gênero. E compreender que a questão de sexualidade de uma pessoa é muito
íntima e de acesso apenas a ela mesma e a quem ela escolhe ter como parceiro ou parceira. O
gênero se trata de um modelo de comportamento que pode ser masculinizado ou feminino. Mas
o fundamental é entendermos que mesmo sendo categorias articuladas, são independentes, uma
pessoa que é do sexo macho, pode ter o gênero feminino e optar por ter relações sexuais apenas
com pessoas do sexo oposto, ou seja, ser heterossexual. Ou seja, vivemos em uma sociedade que
produz e reproduz moralismo, se ocupa e se preocupa com a intimidade dos outros, mas na verdade
modela comportamentos. Sendo assim a questão do preconceito de gênero é a mais latente e a mais
confundida com a questão da sexualidade.

Gênero e sexualidade: pedagogias contemporânea

                                                              Guacira Lopes Louro *


Resumo: Gênero e sexualidade são construídos através de inúmeras aprendizagens e práticas,
empreendidas por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais, de modo explícito
ou dissimulado, num processo sempre inacabado. Na contemporaneidade, essas instâncias
multiplicaram-se e seus ditames são, muitas vezes, distintos. Nesse embate cultural, torna-se
necessário observar os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e a
posição da diferença, e os significados que lhes são atribuídos.
Palavras-chave: gênero; sexualidade; pedagogias culturais; norma; diferença.
Gender and sexuality: contemporary pedagogies
Abstract: Gender and sexuality are made up of several practices and learning methods, through
countless social and cultural instances, in an endless process. These instances have been
multiplied and their principles are often different. In this cultural battle, we must observe how
normality is constructed and re-constructed, and how differences are considered and treated.
Key words: gender; sexuality; cultural pedagogies; norm; difference.
Há mais de cinqüenta anos, Simone de Beauvoir sacudiu a poeira dos meios
intelectuais com a frase Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. A expressão
causou impacto e ganhou o mundo. Mulheres das mais diferentes posições,
militantes e estudiosas passaram a repeti-la para indicar que seu modo de ser e
de estar no mundo não resultava de um ato único, inaugural, mas que, em vez
disso, constituía-se numa construção. Fazer-se mulher dependia das marcas,
dos gestos, dos comportamentos, das preferências e dos desgostos que lhes
eram ensinados e reiterados, cotidianamente, conforme normas e valores de
uma dada cultura.
Muita coisa mudou desde o final dos anos 1940 (quando Beauvoir publicou o seu  Segundo sexo) e o fazer-se mulher transformou-se, pluralizou-se, de
* Professora Titular aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Brasil.
Colaboradora convidada da mesma universidade, no Programa de Pós-Graduação em Educação,
Linha de Pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, Fundadora do GEERGE (Grupo
de Estudos de Educação e Relações de Gênero). guacira.louro@gmail.com18
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
um modo tal que talvez nem mesmo a filósofa ousasse imaginar. Mas a frase
ficou. De certa forma, pode ser tomada como uma espécie de gatilho provocador de um conjunto de reflexões e teorizações, exuberante e fértil, polêmico e
disputado, não só no campo do feminismo e dos estudos de gênero, como
também no campo dos estudos da sexualidade. A frase foi alargada, é claro,
passando a ser compreendida também no masculino. Sim, decididamente, fazer de alguém um homem requer, de igual modo, investimentos continuados.
Nada há de puramente “natural” e “dado” em tudo isso: ser homem e ser
mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da cultura.
Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de compreender e atribuir sentido a esses processos, elas e eles costumam concordar que não
é o momento do nascimento e da nomeação de um corpo como macho ou
como fêmea que faz deste um sujeito masculino ou feminino. A construção do
gênero e da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente,
infindavelmente.
Quem tem a primazia nesse processo? Que instâncias e espaços sociais têm
o poder de decidir e inscrever em nossos corpos as marcas e as normas que
devem ser seguidas? Qualquer resposta cabal e definitiva a tais questões será
ingênua e inadequada. A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situa-
ções, é empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sutil, sempre
inacabado. Família, escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por
certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo. Por muito tempo, suas orientações e ensinamentos pareceram absolutos, quase soberanos.
Mas como esquecer, especialmente na contemporaneidade, a sedução e o impacto da mídia, das novelas e da publicidade, das revistas e da internet, dos
sites de relacionamento e dos blogs? Como esquecer o cinema e a televisão, os
shopping centers ou a música popular? Como esquecer as pesquisas de opinião e
as de consumo? E, ainda, como escapar das câmeras e monitores de vídeo e das
inúmeras máquinas que nos vigiam e nos “atendem” nos bancos, nos supermercados e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados em seus conselhos e
ordens, somos controlados por seus mecanismos, sofremos suas censuras. As
proposições e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte e acabam por constituir-se como potentes pedagogias
culturais.
 “Especialistas” das mais diversas áreas dizem-nos o que vestir, como andar,
o que comer (como e quando e quanto comer), o que fazer para conquistar (e
para manter) um parceiro ou parceira amoroso/a, como se apresentar para con-19
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
seguir um emprego (ou para ir a uma festa), como “ficar de bem com a vida”,
como se mostrar sensual, como aparentar sucesso, como... ser.
Dieta S.O.S. Barriga chapada. Montamos um cardápio para
você desfilar no verão com abdômen sequinho. Confira e comece já
1
.
Mude o visual e ganhe atitude.
Como conquistar a gata dos seus sonhos. Ensinamos passo-apasso as técnicas de aproximação e de conquista.
Sabia que você pode substituir a flacidez por músculos? Discipline-se, adquira novos hábitos.
Na festa mais “descolada” da temporada, aprenda com aqueles
que já sabem tudo o que vai rolar na nova estação.
Conselhos e palavras de ordem interpelam-nos constantemente, ensinamnos sobre saúde, comportamento, religião, amor, dizem-nos o que preferir e o
que recusar, ajudam-nos a produzir nossos corpos e estilos, nossos modos de
ser e de viver. Algumas orientações provêm de campos consagrados e tradicionalmente reconhecidos por sua autoridade, como o da medicina ou da ciência,
da família, da justiça ou da religião. Outras parecem “surgir” dos novos espaços
ou ali ecoar. Não há uniformidade em suas diretrizes. Ainda que normas culturais de há muito assentadas sejam reiteradas por várias instâncias, é indispensá-
vel observar que, hoje, multiplicaram-se os modos de compreender, de dar
sentido e de viver os gêneros e a sexualidade.
Transformações são inerentes à história e à cultura, mas, nos últimos tempos, elas parecem ter se tornado mais visíveis ou ter se acelerado. Proliferaram
vozes e verdades. Novos saberes, novas técnicas, novos comportamentos, novas
formas de relacionamento e novos estilos de vida foram postos em ação e tornaram evidente uma diversidade cultural que não parecia existir. Cada vez mais
perturbadoras, essas transformações passaram a intervir em setores que haviam
sido, por muito tempo, considerados imutáveis, trans-históricos e universais.
Em poucos anos, tornaram-se possíveis novas tecnologias reprodutivas, a
transgressão de categorias e de fronteiras sexuais e de gênero, além de instigantes
articulações corpo-máquina. Desestabilizaram-se antigas e sólidas certezas, subverteram-se as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer.
Informações e pessoas até então inatingíveis tornaram-se acessíveis por um simples toque de computador. Relações afetivas e amorosas passaram a ser vividas
virtualmente; relações que desprezam dimensões de espaço, de tempo, de gê-
nero, de sexualidade, de classe ou de raça; relações nas quais o anonimato e a
1. Algumas dessas orientações foram extraídas das edições de dezembro de 2007 das revistas Nova
e Boa Forma (Ed. Abril).20
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
troca de identidade são parte do jogo. Impossível desprezar os efeitos de todas
essas transformações: elas constituem novas formas de existência para todos,
mesmo para aqueles que, num primeiro momento, não as experimentam de
modo direto.
Como parte de tudo isso, vem se afirmando uma nova política cultural, a
política de identidades. Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens,
estudantes, negros, mulheres, as chamadas “minorias”
2
 sexuais e étnicas passaram a falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e
construindo novas práticas sociais. Uma série de lutas ou uma luta plural,
protagonizada por grupos sociais tradicionalmente subordinados, passava a
privilegiar a cultura como palco do embate. Seu propósito consistia, pelo menos inicialmente, em tornar visíveis “outros” modos de viver, os seus próprios
modos: suas estéticas, suas éticas, suas histórias, suas experiências e suas questões. Desencadeava-se uma luta que, mesmo com distintas caras e expressões,
poderia ser sintetizada como a luta pelo direito de falar por si e de falar de si.
Esses diferentes grupos, historicamente colocados em segundo plano pelos grupos dominantes, estavam e estão empenhados, fundamentalmente, em se autorepresentar.
“A cultura”, diz Stuart Hall “é agora um dos elementos mais dinâmicos – e
mais imprevisíveis – da mudança histórica do novo milênio”. Daí porque não
deve nos surpreender que “as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma
‘política cultural’”... (Hall, 1997, p. 20).
Esse tipo de luta requer “armas” peculiares. Supõe estratégias mais sutis e
engenhosas. Talvez por isso a alguns escape a força dos embates culturais. Mas
os movimentos sociais organizados (dentre eles o movimento feminista e os das
“minorias” sexuais) compreenderam, desde logo, que o acesso e o controle dos
espaços culturais, como a mídia, o cinema, a televisão, os jornais, os currículos
das escolas e universidades, eram fundamentais. A voz que ali se fizera ouvir,
até então, havia sido a do homem branco heterossexual. Ao longo da história,
essa voz falara de um modo quase incontestável. Construíra representações sociais que tiveram importantes efeitos de verdade sobre todos os demais. Passamos, assim, a tomar como verdade que as mulheres se constituíam no “segun-
2. A expressão “minoria” não pretende se referir a quantidade numérica, mas sim a uma atribuição
valorativa que é imputada a um determinado grupo a partir da ótica dominante. Conforme a
revista La Gandhi Argentina (1998), “as minorias nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade
numérica, mas sim como maiorias silenciosas que, ao se politizar, convertem o gueto em território
e o estigma em orgulho – gay, étnico, de gênero”.21
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
do sexo” ou que gays, lésbicas, bissexuais eram sujeitos de sexualidades
“desviantes”. Por tudo isso, colocava-se, como uma meta urgente para os grupos submetidos, apropriar-se dessas instâncias culturais e aí inscrever sua pró-
pria representação e sua história, pôr em evidência as questões de seu interesse.
A luta no terreno cultural mostrava-se (e se mostra), fundamentalmente, como
uma luta em torno da atribuição de significados – significados produzidos em
meio a relações de poder.
Esse embate, como qualquer outro embate cultural, é complexo exatamente porque está em contínua transformação. No terreno dos gêneros e da sexualidade, o grande desafio, hoje, parece não ser apenas aceitar que as posições se
tenham multiplicado, então, que é impossível lidar com elas a partir de esquemas binários (masculino/feminino, heterossexual/homossexual). O desafio maior
talvez seja admitir que as fronteiras sexuais e de gênero vêm sendo constantemente atravessadas e – o que é ainda mais complicado – admitir que o lugar
social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente  a  fronteira. A posição de
ambigüidade entre as identidades de gênero e/ou sexuais é o lugar que alguns
escolheram para viver (Louro, 2004).
A visibilidade que todos esses “novos” grupos adquiriram pode ser, eventualmente, interpretada como um atestado de sua progressiva aceitação. Contudo, nem mesmo a exuberância das paradas da diversidade sexual, das feiras
mix, dos festivais de filmes “alternativos” permite ignorar a longa história de
marginalização e de repressão que esses grupos enfrentaram e ainda enfrentam.
Não podemos tomar de modo ingênuo essa visibilidade. Se, por um lado,
alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da
pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos
culturais, por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus
ataques, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da
família até manifestações de extrema agressão e violência física.
Hoje, tal como antes, a sexualidade permanece como alvo privilegiado da
vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e diversificam-se suas formas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar-lhe normas. Foucault certamente diria que proliferam cada vez
mais os discursos sobre o sexo e que as sociedades continuam produzindo,
avidamente, um “saber sobre o prazer”, ao mesmo tempo que experimentam o
“prazer de saber” (Foucault, 1988).
A sutileza do embate cultural requer um olhar igualmente sutil. Há que
perceber os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e
a posição da diferença, porque, afinal, é disso que se trata. Em outras palavras,
é preciso saber quem é reconhecido como sujeito normal, adequado, sadio e
quem se diferencia desse sujeito. As noções de norma e de diferença tornaram-22
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
se particularmente relevantes na contemporaneidade. É preciso refletir sobre
seus possíveis significados.
A norma, ensina-nos Foucault, está inscrita entre as “artes de julgar”, ela é
um princípio de comparação. Sabemos que tem relação com o poder, mas sua
relação não se dá pelo uso da força, e sim por meio de uma espécie de lógica
que se poderia quase dizer que é invisível, insidiosa (Ewald, 1993). A norma
não emana de um único lugar, não é enunciada por um soberano, mas, em vez
disso, está em toda parte. Expressa-se por meio de recomendações repetidas e
observadas cotidianamente, que servem de referência a todos. Daí por que a
norma se faz penetrante, daí por que ela é capaz de se “naturalizar”.
Quanto à diferença, é possível dizer que ela seja um atributo que só faz
sentido ou só pode se constituir em uma relação. A diferença não pré-existe nos
corpos dos indivíduos para ser simplesmente reconhecida; em vez disso, ela é
atribuída a um sujeito (ou a um corpo, uma prática, ou seja lá o que for)
quando relacionamos esse sujeito (ou esse corpo ou essa prática) a um outro
que é tomado como referência. Portanto, se a posição do homem branco heterossexual de classe média urbana foi construída, historicamente, como a posi-
ção-de-sujeito ou a identidade referência, segue-se que serão “diferentes” todas
as identidades que não correspondam a esta ou que desta se afastem. A posição
“normal” é, de algum modo, onipresente, sempre presumida, e isso a torna,
paradoxalmente, invisível. Não é preciso mencioná-la. Marcadas serão as identidades que dela diferirem.
Continuamente, as marcas da diferença são inscritas e reinscritas pelas políticas e pelos saberes legitimados, reiteradas por variadas práticas sociais e pedagogias culturais. Se, hoje, as classificações binárias dos gêneros e da sexualidade não mais dão conta das possibilidades de práticas e de identidades, isso
não significa que os sujeitos transitem livremente entre esses territórios, isso
não significa que eles e elas sejam igualmente considerados.
Portanto, antes de simplesmente assumir noções “dadas” de normalidade e
de diferença, parece produtivo refletir sobre os processos de inscrição dessas
marcas. Não se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir
que é no interior da cultura e de uma cultura específica que características
materiais adquirem significados. Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que mecanismos? Se em tudo isso estão implicadas hierarquias e relações
de poder, por onde passam tais relações? Como se manifestam? Não, a diferen-
ça não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de
processos discursivos e culturais. A diferença é “ensinada”.
Aprendemos a viver o gênero e a sexualidade na cultura, através dos discursos repetidos da mídia, da igreja, da ciência e das leis e também, contemporaneamente, através dos discursos dos movimentos sociais e dos múltiplos dispositi-23
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vos tecnológicos. As muitas formas de experimentar prazeres e desejos, de dar e
de receber afeto, de amar e de ser amada/o são ensaiadas e ensinadas na cultura,
são diferentes de uma cultura para outra, de uma época ou de uma geração
para outra. E hoje, mais do que nunca, essas formas são múltiplas. As possibilidades de viver os gêneros e as sexualidades ampliaram-se. As certezas acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e também desestabilizador. Mas não
h á   c omo   e s c a p a r   a   e s s e   d e s a f i o .  O  ú n i c o  mo d o   d e   l i d a r   c om  a
contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a vivê-la.
Referências bibliográficas
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
EWALD, François. Foucault: A norma e o direito. Lisboa: Vega, 1993.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
1988.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

DELEITE

O VENTO QUE SOBRA 
SOBRE O ORVALHO 
SOPRA EM MEU ROSTO 
FAZ MEUS CABELOS DANÇAREM 
EM MEIO AO CAMPO 
MEU CORPO QUE ESTÁ
NO DELEITE DE 
MEU AMADO 
DESCANSA APÓS 
A FÚRIA
DE UMA LONGA TEMPESTADE.