quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O machismo anda ao lado da BURRICE






Lei nº 11.340 de 07 de Agosto de 2006

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Sexo, gênero e sexualidade.




Vivemos em um tempo e uma sociedade construída com seus caracteres comportamentais há
milhares de anos de civilização. Porém comportamentos diferentes oscilam no tempo e no espaço
da humanidade. Mas hoje é latente a identidade sexual de uma pessoa e o quanto isso provoca
impactos de sua vivência em sociedade.
O importante, porém difícil, é desmistificar o quanto à heterossexualidade posta como
modelo de comportamento de massa é um fenômeno cultural e não natural. E compreender
também que o gênero e a sexualidade são categorias culturais, construídas historicamente
através do comportamento humano. Sendo assim, devemos entender que exceto casos raros de
hermafroditismo ou outras situações biológicas atípicas, existem dois sexos: macho e fêmea.
Portanto o Sexo é uma categoria natural.
O gênero se trata de um conjunto de regras e comportamentos construídos historicamente
pelas civilizações, podemos dizer que existem dois gêneros: feminino e masculino. Portanto é
correto afirmar que não nascemos homem, nos tornamos homem, que não nascemos mulher, nos
tornamos mulher. Portanto o gênero é uma categoria cultural.
Já a sexualidade é a categoria mais dinâmica e multifacetada. Pois sexualidade são inúmeras
ou nenhuma. Por exemplo, a heterossexualidade pressupõe um comportamento sexual em que a
pessoa só se relaciona com pessoas do sexo oposto, ou seja, macho com fêmea. A bissexualidade de
que a relação pode ocorrer tanto com o sexo oposto ou o mesmo sexo. Na verdade a sexualidade é
um fenômeno humano, histórico, e é posto como item de identidade normal ou anormal, errada ou
certa, por religiões, por sociedades e culturas de formas diferentes.
Portanto é importante compreendermos este mecanismo para compreender e combater
o preconceito de gênero. E compreender que a questão de sexualidade de uma pessoa é muito
íntima e de acesso apenas a ela mesma e a quem ela escolhe ter como parceiro ou parceira. O
gênero se trata de um modelo de comportamento que pode ser masculinizado ou feminino. Mas
o fundamental é entendermos que mesmo sendo categorias articuladas, são independentes, uma
pessoa que é do sexo macho, pode ter o gênero feminino e optar por ter relações sexuais apenas
com pessoas do sexo oposto, ou seja, ser heterossexual. Ou seja, vivemos em uma sociedade que
produz e reproduz moralismo, se ocupa e se preocupa com a intimidade dos outros, mas na verdade
modela comportamentos. Sendo assim a questão do preconceito de gênero é a mais latente e a mais
confundida com a questão da sexualidade.

Gênero e sexualidade: pedagogias contemporânea

                                                              Guacira Lopes Louro *


Resumo: Gênero e sexualidade são construídos através de inúmeras aprendizagens e práticas,
empreendidas por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais, de modo explícito
ou dissimulado, num processo sempre inacabado. Na contemporaneidade, essas instâncias
multiplicaram-se e seus ditames são, muitas vezes, distintos. Nesse embate cultural, torna-se
necessário observar os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e a
posição da diferença, e os significados que lhes são atribuídos.
Palavras-chave: gênero; sexualidade; pedagogias culturais; norma; diferença.
Gender and sexuality: contemporary pedagogies
Abstract: Gender and sexuality are made up of several practices and learning methods, through
countless social and cultural instances, in an endless process. These instances have been
multiplied and their principles are often different. In this cultural battle, we must observe how
normality is constructed and re-constructed, and how differences are considered and treated.
Key words: gender; sexuality; cultural pedagogies; norm; difference.
Há mais de cinqüenta anos, Simone de Beauvoir sacudiu a poeira dos meios
intelectuais com a frase Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. A expressão
causou impacto e ganhou o mundo. Mulheres das mais diferentes posições,
militantes e estudiosas passaram a repeti-la para indicar que seu modo de ser e
de estar no mundo não resultava de um ato único, inaugural, mas que, em vez
disso, constituía-se numa construção. Fazer-se mulher dependia das marcas,
dos gestos, dos comportamentos, das preferências e dos desgostos que lhes
eram ensinados e reiterados, cotidianamente, conforme normas e valores de
uma dada cultura.
Muita coisa mudou desde o final dos anos 1940 (quando Beauvoir publicou o seu  Segundo sexo) e o fazer-se mulher transformou-se, pluralizou-se, de
* Professora Titular aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Brasil.
Colaboradora convidada da mesma universidade, no Programa de Pós-Graduação em Educação,
Linha de Pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, Fundadora do GEERGE (Grupo
de Estudos de Educação e Relações de Gênero). guacira.louro@gmail.com18
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
um modo tal que talvez nem mesmo a filósofa ousasse imaginar. Mas a frase
ficou. De certa forma, pode ser tomada como uma espécie de gatilho provocador de um conjunto de reflexões e teorizações, exuberante e fértil, polêmico e
disputado, não só no campo do feminismo e dos estudos de gênero, como
também no campo dos estudos da sexualidade. A frase foi alargada, é claro,
passando a ser compreendida também no masculino. Sim, decididamente, fazer de alguém um homem requer, de igual modo, investimentos continuados.
Nada há de puramente “natural” e “dado” em tudo isso: ser homem e ser
mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da cultura.
Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de compreender e atribuir sentido a esses processos, elas e eles costumam concordar que não
é o momento do nascimento e da nomeação de um corpo como macho ou
como fêmea que faz deste um sujeito masculino ou feminino. A construção do
gênero e da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente,
infindavelmente.
Quem tem a primazia nesse processo? Que instâncias e espaços sociais têm
o poder de decidir e inscrever em nossos corpos as marcas e as normas que
devem ser seguidas? Qualquer resposta cabal e definitiva a tais questões será
ingênua e inadequada. A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situa-
ções, é empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sutil, sempre
inacabado. Família, escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por
certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo. Por muito tempo, suas orientações e ensinamentos pareceram absolutos, quase soberanos.
Mas como esquecer, especialmente na contemporaneidade, a sedução e o impacto da mídia, das novelas e da publicidade, das revistas e da internet, dos
sites de relacionamento e dos blogs? Como esquecer o cinema e a televisão, os
shopping centers ou a música popular? Como esquecer as pesquisas de opinião e
as de consumo? E, ainda, como escapar das câmeras e monitores de vídeo e das
inúmeras máquinas que nos vigiam e nos “atendem” nos bancos, nos supermercados e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados em seus conselhos e
ordens, somos controlados por seus mecanismos, sofremos suas censuras. As
proposições e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte e acabam por constituir-se como potentes pedagogias
culturais.
 “Especialistas” das mais diversas áreas dizem-nos o que vestir, como andar,
o que comer (como e quando e quanto comer), o que fazer para conquistar (e
para manter) um parceiro ou parceira amoroso/a, como se apresentar para con-19
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
seguir um emprego (ou para ir a uma festa), como “ficar de bem com a vida”,
como se mostrar sensual, como aparentar sucesso, como... ser.
Dieta S.O.S. Barriga chapada. Montamos um cardápio para
você desfilar no verão com abdômen sequinho. Confira e comece já
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Mude o visual e ganhe atitude.
Como conquistar a gata dos seus sonhos. Ensinamos passo-apasso as técnicas de aproximação e de conquista.
Sabia que você pode substituir a flacidez por músculos? Discipline-se, adquira novos hábitos.
Na festa mais “descolada” da temporada, aprenda com aqueles
que já sabem tudo o que vai rolar na nova estação.
Conselhos e palavras de ordem interpelam-nos constantemente, ensinamnos sobre saúde, comportamento, religião, amor, dizem-nos o que preferir e o
que recusar, ajudam-nos a produzir nossos corpos e estilos, nossos modos de
ser e de viver. Algumas orientações provêm de campos consagrados e tradicionalmente reconhecidos por sua autoridade, como o da medicina ou da ciência,
da família, da justiça ou da religião. Outras parecem “surgir” dos novos espaços
ou ali ecoar. Não há uniformidade em suas diretrizes. Ainda que normas culturais de há muito assentadas sejam reiteradas por várias instâncias, é indispensá-
vel observar que, hoje, multiplicaram-se os modos de compreender, de dar
sentido e de viver os gêneros e a sexualidade.
Transformações são inerentes à história e à cultura, mas, nos últimos tempos, elas parecem ter se tornado mais visíveis ou ter se acelerado. Proliferaram
vozes e verdades. Novos saberes, novas técnicas, novos comportamentos, novas
formas de relacionamento e novos estilos de vida foram postos em ação e tornaram evidente uma diversidade cultural que não parecia existir. Cada vez mais
perturbadoras, essas transformações passaram a intervir em setores que haviam
sido, por muito tempo, considerados imutáveis, trans-históricos e universais.
Em poucos anos, tornaram-se possíveis novas tecnologias reprodutivas, a
transgressão de categorias e de fronteiras sexuais e de gênero, além de instigantes
articulações corpo-máquina. Desestabilizaram-se antigas e sólidas certezas, subverteram-se as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer.
Informações e pessoas até então inatingíveis tornaram-se acessíveis por um simples toque de computador. Relações afetivas e amorosas passaram a ser vividas
virtualmente; relações que desprezam dimensões de espaço, de tempo, de gê-
nero, de sexualidade, de classe ou de raça; relações nas quais o anonimato e a
1. Algumas dessas orientações foram extraídas das edições de dezembro de 2007 das revistas Nova
e Boa Forma (Ed. Abril).20
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
troca de identidade são parte do jogo. Impossível desprezar os efeitos de todas
essas transformações: elas constituem novas formas de existência para todos,
mesmo para aqueles que, num primeiro momento, não as experimentam de
modo direto.
Como parte de tudo isso, vem se afirmando uma nova política cultural, a
política de identidades. Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens,
estudantes, negros, mulheres, as chamadas “minorias”
2
 sexuais e étnicas passaram a falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e
construindo novas práticas sociais. Uma série de lutas ou uma luta plural,
protagonizada por grupos sociais tradicionalmente subordinados, passava a
privilegiar a cultura como palco do embate. Seu propósito consistia, pelo menos inicialmente, em tornar visíveis “outros” modos de viver, os seus próprios
modos: suas estéticas, suas éticas, suas histórias, suas experiências e suas questões. Desencadeava-se uma luta que, mesmo com distintas caras e expressões,
poderia ser sintetizada como a luta pelo direito de falar por si e de falar de si.
Esses diferentes grupos, historicamente colocados em segundo plano pelos grupos dominantes, estavam e estão empenhados, fundamentalmente, em se autorepresentar.
“A cultura”, diz Stuart Hall “é agora um dos elementos mais dinâmicos – e
mais imprevisíveis – da mudança histórica do novo milênio”. Daí porque não
deve nos surpreender que “as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma
‘política cultural’”... (Hall, 1997, p. 20).
Esse tipo de luta requer “armas” peculiares. Supõe estratégias mais sutis e
engenhosas. Talvez por isso a alguns escape a força dos embates culturais. Mas
os movimentos sociais organizados (dentre eles o movimento feminista e os das
“minorias” sexuais) compreenderam, desde logo, que o acesso e o controle dos
espaços culturais, como a mídia, o cinema, a televisão, os jornais, os currículos
das escolas e universidades, eram fundamentais. A voz que ali se fizera ouvir,
até então, havia sido a do homem branco heterossexual. Ao longo da história,
essa voz falara de um modo quase incontestável. Construíra representações sociais que tiveram importantes efeitos de verdade sobre todos os demais. Passamos, assim, a tomar como verdade que as mulheres se constituíam no “segun-
2. A expressão “minoria” não pretende se referir a quantidade numérica, mas sim a uma atribuição
valorativa que é imputada a um determinado grupo a partir da ótica dominante. Conforme a
revista La Gandhi Argentina (1998), “as minorias nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade
numérica, mas sim como maiorias silenciosas que, ao se politizar, convertem o gueto em território
e o estigma em orgulho – gay, étnico, de gênero”.21
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
do sexo” ou que gays, lésbicas, bissexuais eram sujeitos de sexualidades
“desviantes”. Por tudo isso, colocava-se, como uma meta urgente para os grupos submetidos, apropriar-se dessas instâncias culturais e aí inscrever sua pró-
pria representação e sua história, pôr em evidência as questões de seu interesse.
A luta no terreno cultural mostrava-se (e se mostra), fundamentalmente, como
uma luta em torno da atribuição de significados – significados produzidos em
meio a relações de poder.
Esse embate, como qualquer outro embate cultural, é complexo exatamente porque está em contínua transformação. No terreno dos gêneros e da sexualidade, o grande desafio, hoje, parece não ser apenas aceitar que as posições se
tenham multiplicado, então, que é impossível lidar com elas a partir de esquemas binários (masculino/feminino, heterossexual/homossexual). O desafio maior
talvez seja admitir que as fronteiras sexuais e de gênero vêm sendo constantemente atravessadas e – o que é ainda mais complicado – admitir que o lugar
social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente  a  fronteira. A posição de
ambigüidade entre as identidades de gênero e/ou sexuais é o lugar que alguns
escolheram para viver (Louro, 2004).
A visibilidade que todos esses “novos” grupos adquiriram pode ser, eventualmente, interpretada como um atestado de sua progressiva aceitação. Contudo, nem mesmo a exuberância das paradas da diversidade sexual, das feiras
mix, dos festivais de filmes “alternativos” permite ignorar a longa história de
marginalização e de repressão que esses grupos enfrentaram e ainda enfrentam.
Não podemos tomar de modo ingênuo essa visibilidade. Se, por um lado,
alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da
pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos
culturais, por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus
ataques, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da
família até manifestações de extrema agressão e violência física.
Hoje, tal como antes, a sexualidade permanece como alvo privilegiado da
vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e diversificam-se suas formas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar-lhe normas. Foucault certamente diria que proliferam cada vez
mais os discursos sobre o sexo e que as sociedades continuam produzindo,
avidamente, um “saber sobre o prazer”, ao mesmo tempo que experimentam o
“prazer de saber” (Foucault, 1988).
A sutileza do embate cultural requer um olhar igualmente sutil. Há que
perceber os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e
a posição da diferença, porque, afinal, é disso que se trata. Em outras palavras,
é preciso saber quem é reconhecido como sujeito normal, adequado, sadio e
quem se diferencia desse sujeito. As noções de norma e de diferença tornaram-22
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
se particularmente relevantes na contemporaneidade. É preciso refletir sobre
seus possíveis significados.
A norma, ensina-nos Foucault, está inscrita entre as “artes de julgar”, ela é
um princípio de comparação. Sabemos que tem relação com o poder, mas sua
relação não se dá pelo uso da força, e sim por meio de uma espécie de lógica
que se poderia quase dizer que é invisível, insidiosa (Ewald, 1993). A norma
não emana de um único lugar, não é enunciada por um soberano, mas, em vez
disso, está em toda parte. Expressa-se por meio de recomendações repetidas e
observadas cotidianamente, que servem de referência a todos. Daí por que a
norma se faz penetrante, daí por que ela é capaz de se “naturalizar”.
Quanto à diferença, é possível dizer que ela seja um atributo que só faz
sentido ou só pode se constituir em uma relação. A diferença não pré-existe nos
corpos dos indivíduos para ser simplesmente reconhecida; em vez disso, ela é
atribuída a um sujeito (ou a um corpo, uma prática, ou seja lá o que for)
quando relacionamos esse sujeito (ou esse corpo ou essa prática) a um outro
que é tomado como referência. Portanto, se a posição do homem branco heterossexual de classe média urbana foi construída, historicamente, como a posi-
ção-de-sujeito ou a identidade referência, segue-se que serão “diferentes” todas
as identidades que não correspondam a esta ou que desta se afastem. A posição
“normal” é, de algum modo, onipresente, sempre presumida, e isso a torna,
paradoxalmente, invisível. Não é preciso mencioná-la. Marcadas serão as identidades que dela diferirem.
Continuamente, as marcas da diferença são inscritas e reinscritas pelas políticas e pelos saberes legitimados, reiteradas por variadas práticas sociais e pedagogias culturais. Se, hoje, as classificações binárias dos gêneros e da sexualidade não mais dão conta das possibilidades de práticas e de identidades, isso
não significa que os sujeitos transitem livremente entre esses territórios, isso
não significa que eles e elas sejam igualmente considerados.
Portanto, antes de simplesmente assumir noções “dadas” de normalidade e
de diferença, parece produtivo refletir sobre os processos de inscrição dessas
marcas. Não se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir
que é no interior da cultura e de uma cultura específica que características
materiais adquirem significados. Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que mecanismos? Se em tudo isso estão implicadas hierarquias e relações
de poder, por onde passam tais relações? Como se manifestam? Não, a diferen-
ça não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de
processos discursivos e culturais. A diferença é “ensinada”.
Aprendemos a viver o gênero e a sexualidade na cultura, através dos discursos repetidos da mídia, da igreja, da ciência e das leis e também, contemporaneamente, através dos discursos dos movimentos sociais e dos múltiplos dispositi-23
Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008
vos tecnológicos. As muitas formas de experimentar prazeres e desejos, de dar e
de receber afeto, de amar e de ser amada/o são ensaiadas e ensinadas na cultura,
são diferentes de uma cultura para outra, de uma época ou de uma geração
para outra. E hoje, mais do que nunca, essas formas são múltiplas. As possibilidades de viver os gêneros e as sexualidades ampliaram-se. As certezas acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e também desestabilizador. Mas não
h á   c omo   e s c a p a r   a   e s s e   d e s a f i o .  O  ú n i c o  mo d o   d e   l i d a r   c om  a
contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a vivê-la.
Referências bibliográficas
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
EWALD, François. Foucault: A norma e o direito. Lisboa: Vega, 1993.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
1988.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

DELEITE

O VENTO QUE SOBRA 
SOBRE O ORVALHO 
SOPRA EM MEU ROSTO 
FAZ MEUS CABELOS DANÇAREM 
EM MEIO AO CAMPO 
MEU CORPO QUE ESTÁ
NO DELEITE DE 
MEU AMADO 
DESCANSA APÓS 
A FÚRIA
DE UMA LONGA TEMPESTADE.


Os catadores de palavras


Em meio a turbulência urbana
Um beija flor beijando uma única flor entre o asfalto e a calçada
Um homem com uma aparência de abandono com seu semblante triste
Senta-se no cordão Do outro lado da rua e
Admira aquele momento tão poético
 Percebe que ainda a vida em meio a tento concreto
Sua cabeça levanta depois de anos baixa
E desvenda seu mundo sem cor sem cheiro sem som
Desvela palavras escondida em seu peito amargurado
Ao descobrir que ainda andava saio disparado
A procura do amor abandonado
                                                                                            
                                                                                                                       06/02/2012

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Os Sonhadores (2003) - Bernardo Bertolucci



Matthew (Michael Pitt) é um jovem que, em 1968, vai estudar em Paris. Lá ele conhece os irmãos gêmeos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel). Os três logo se tornam amigos, dividindo experiências e relacionamentos enquanto Paris vive a efervescência da revolução estudantil. 

• Baseado em: Os Inocentes Sagrados, de Gilbert Adair
• Direção: Bernardo Betolucci
• Gênero: Drama

• Origem: Reino Unido
• Duração: 120 minutos



Clube da Luta (1999) - David Fincher



Clube da Luta conta a história do Narrador, personagem de Edward Norton que meio que não tem seu nome pronunciado durante o filme todo. Ele não conseguia dormir, e sua vida era limitada a preencher os cômodos de seu apartamento comprando móveis a partir de catálogos de mobílias. Um dia ele conhece Tyler Duren (Brad Pitt), pessoa completamente livre das prisões da sociedade (compras, televisão, etc) que pede para o Narrador lhe dar um soco. Depois de alguns vários, ele percebe que a luta o liberta da angústia da sua vida. Em pouco tempo, várias pessoas se juntam a esse grupo que busca a liberdade, e as coisas começam a evoluir para além das brigas e a ir longe demais. 



• Baseado em: Clube da Luta de Chuck Palahniuk
• Direção: David Fincher
• Gênero: Drama
• Origem: EUA
• Duração: 140min

O Castelo - Michael Haneke



K. é um agrimensor enviado a um vilarejo, a trabalho. Lá, descobre a existência de um castelo misterioso, ao qual apenas alguns privilegiados têm acesso. Ele decide conhecer o lugar a todo custo, mas logo percebe que a tarefa não será fácil.


• Baseado em: O Castelo de Franz Kafka
• Direção: Michael Haneke
• Gênero: Drama
• Origem: Alemanha/Áustria
• Duração:
 123 minutos

Um Médico Rural - Koji Yamamura



Trata de um médico que recebe um chamado para ajudar um garoto com necessidade de locomoção que se encontra em frente de sua casa onde um estranho lhe oferece seus cavalos para levá-lo em uma charrete. Porém o estranho cortejava rudemente sua servente e ela retira-se para seu aposento com medo. Uma série de eventos surreais acabam por deixar o médico nu perdido na névoa e montado nos estranhos cavá-los, a mercê do frio e do sentimento de traição.


• Baseado em: Um Médico Rural, conto de Kafka
• Direção: Koji Yamamura

• Gênero: Animação/Suspense
• Origem: Japão
• Duração: 20 minutos

The Hunger Artist - Tom Gibbons


A história retrata a vida de um artista há tempos esquecido, o jejuador. Ter o poder de ficar dias a finco sem colocar em sua boca uma misera migalha de alimento, era a grande façanha na qual rodeava a vida daquele artista. Expõe a fragilidade humana frente à evolução social e mostra o quão ínfima pode se tornar nossas maiores habilidades.
• Baseado em: Um Artista da Fome, conto de Kafka
• Direção: Tom Gibbons
• Gênero: Animação/Drama
• Origem: Estados Unidos
• Duração: 15 minutos


O Processo - Orson Welles



Joseph K. é um homem reservado, que vive na pensão da senhora Grubache se dá bem com todos os demais moradores do local. Um dia ele é acordado por um inspetor de polícia, que lhe informa que está preso mas não o leva sob custódia. Durante o processo Joseph segue com suas atividades normais, tendo apenas que ficar à disposição das autoridades a qualquer hora do dia. Incomodado por não saber do que está sendo acusado, ele decide investigar em busca de uma resposta.


• Baseado em: O Processo de Franz Kafka
• Direção: Orson Welles
• Gênero: Drama/Fantasia/Suspense
• Origem: Alemanha Ocidental/França/Itália/Iugoslávia
• Duração: 118 minutos

A Metamorfose (1975) - Jan Němec



Numa manhã, ao acordar para o trabalho, Gregor vê que se transformou num inseto horrível com um "dorso duro e inúmeras patas". A princípio, as suas preocupações passam por pensamentos práticos relacionados com a sua metamorfose. Depois, as preocupações passam para um estado mais psicológico e até mesmo sentimental. Gregor sente-se magoado pela repulsa dos pais perante a sua metamorfose. Apenas a irmã se digna a levar-lhe a alimentação, mas mesmo assim a repulsa e o medo também começam a se manifestar. A metamorfose de Gregor vai além da modificação física. É sobretudo uma alteração de comportamentos, atitudes, sentimentos e opiniões.

• Baseado em: A Metamorfose, de Franz Kafka
• Direção: Jan Němec
• Gênero: Drama
• Origem: Alemanha
• Duração: 50 minutos

Filme do Desassossego (2010) - João Botelho


Lisboa, hoje. Um quarto de uma casa na Rua dos Douradores. Um homem inventa sonhos e estabelece teorias sobre eles. A própria matéria dos sonhos torna-se física, palpável, visível. O próprio texto torna-se matéria na sua sonoridade musical. E, diante dos nossos olhos, essa música sentida nos ouvidos, no cérebro e no coração, espalha-se pela rua onde vive, pela cidade que ele ama acima de tudo e pelo mundo inteiro. Filme desassossegado sobre fragmentos de um livro infinito e armadilhado, de uma fulgurância quase demente mas de genial claridade. O momento solar de criação de Fernando Pessoa. A solidão absoluta e perfeita do EU, sideral e sem remédio. Deus sou eu!, também escreveu Bernardo Soares.


• Baseado em: Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa
• Direção: João Botelho
• Gênero: Drama
• Origem: Portugal
• Duração: 90 minutos

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O espírito da colmeia, de Victor Erice








Num ambiente que emenda a Guerra Civil Espanhola com a Segunda Guerra Mundial, duas garotas de aproximadamente sete e oito anos se veem diante da trama Frankenstein, transposta ao cinema pelo diretor James Whale, em 1931, em exibição no salão da cidade. Ana, a mais nova, pergunta à irmã Isabel por que o monstro mata a garotinha com quem conversava à beira do rio, e por que o matam depois. Isabel promete contar à irmã mais tarde, e somente com a insistência de Ana, já em casa, pronta para dormir, dirá que “no cinema tudo é mentira”, ninguém, portanto, morreu; e, além disso, ela mesma já viu o monstro vivo. A aparente ingênua contradição infantil de Isabel desconfia dos fatos narrados no cinema, mas não da imaginação – o monstro não morreu, é uma mentira, mas ele existe. Existe e, continua a mais velha, é um espírito, por isso não morre; seu corpo, no filme, era só um “disfarce”.
A contradição é aparente, pois Isabel sabia bem o que estava fazendo, ou pensava que sabia. Seu projeto era o de fazer Ana crer na existência do monstro como um espírito, brincando com suas próprias descobertas recentes acerca dos temas que surgirão a seguir. Isabel apresenta a casa do poço como o lugar onde vive o monstro – e que ela pode ver, mesmo sendo ele invisível, pois pode chamá-lo apenas fechando os olhos. Ana passa a frequentar a casa do poço, procurando pelo espírito. Lá, encontra uma grande pegada de sapato, e parece ser este o primeiro indício de sua busca.
A partir disso, tudo em volta contribui para a construção de um mundo povoado por mistérios, visto pelos olhos perscrutantes de Ana: o trem, os cogumelos, o homem ferido na casa do poço, a irmã que se faz de morta. O que esses elementos introduzem são o mal e a morte. O trem vem rápido e grandioso representando o perigo – é preciso afastar-se dos trilhos para que ele passe; Ana olha atônita como se o visse pela primeira vez. Com o pai, passeiam pelo bosque à procura de cogumelos bons; o pai ensina como identificar os venenosos e, ao encontrar um deles, afirma ser o “demônio”, esmagando-o com os pés. Finalmente, em uma das vezes em que vai à casa do poço, Ana vê o espírito: um homem ferido, que se descobrirá, a seguir, ter roubado de seu pai o relógio e o casaco. A irmã, Isabel, finge-se de morta para assustar Ana, vestindo-se de monstro.


Depois de todas essas experiências Ana parece organizar as relações entre a morte, o mal e os espíritos em uma imagem de Isabel, como um rabisco negro, pulando uma fogueira. O ápice de sua busca vem com a fuga após ver o pai na casa do poço e marcas de sangue onde antes estava o homem ferido: na noite, tal como no filme de Whale, a garotinha se encontra com o monstro; antes, colhera um cogumelo.
Quando a encontram, Ana está fraca, o médico recomenda repouso e afirma que, por ser criança, está sob o impacto de uma impressão forte, que logo passará. Porém, além de Ana, estão o pai e a mãe sob outros fortes impactos, ainda que adultos. O pai, um apicultor, está obcecado pela compreensão da vida na colmeia; escreve textos à noite para descrevê-la. A mãe, em uma carta para alguém de quem se separou durante a guerra, escreve duvidar de sua capacidade de “sentir de verdade a vida”, depois de tanta tristeza e destruição.
Isabel parece ser a mais próxima de discernir a presença do mal no mundo – aquele da citação inicial do texto – e com ele conviver, quando identifica o cogumelo bom, ou quando aperta o pescoço do gato até que ele a ataque, fazendo seu dedo sangrar. Olhando-se no espelho, Isabel lambuza os lábios de sangue e lambe.
Na apresentação do filme projetado em cena, um senhor pede aos espectadores que, por ser Frankenstein uma obra das mais estranhas já produzidas e muito assustadora, que procurem não levá-la muito a sério. Já o filme em curso, O espírito da colmeia, inicia-se com a legenda “era uma vez...”, um marcador de narrativa imaginária, e ainda de fábula infantil, em sua maioria. Duas vezes, portanto, somos avisados de que não devemos confundir ficção e realidade. Talvez, justamente, por não ser tão possível delimitar seus campos e medir seus efeitos – o mal pode apresentar-se em qualquer “disfarce”. Não deixa de ser interessante pensar que Ana Torrent, a atriz que interpreta Ana, irá protagonizar, 23 anos depois, Thesis morte ao vivo, filme de Alejandro Amenábar, cuja história apresenta os snuff movies, fitas com “encenação de mortes reais”.





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