domingo, 12 de junho de 2011

O poema francês que consegue dizer saudade

Apenas um poema, fora da língua portuguesa, consegue exprimir saudade. Mesmo assim, como sabemos, não existe tradução em uma só palavra. Mas François Villon conpôs um dos versos mais profundos, e tristes, da história da poesia. Ele aparece no poema Ballade des Dames du temps jadis (Balada das Damas dos Tempos Já Idos). Leia abaixo

Où sont-ils, où, Vierge souvraine ?
Mais où sont les neiges d'antan ? 

Onde estão, Virgem açucena?
Mas onde estão, neves de outrora? 


Onde estão, as neves de outrora?
Nesta frase se exprime toda a saudade do passado, a inevitabilidade do tempo, a tristeza das coisas já findas, a impossibilidade do retorno.
A impossibilidade do retorno.
François Villon, pseudônimo de François de Montcorbier ou François des Loges (Paris, 1431 ou 1432 e desaparecido em 1463) foi um dos maiores poetas franceses da Idade Média. Ladrão, boêmio e ébrio, é considerado precursor dos poetas malditos do romantismo.

Nascido no período de ocupação inglesa na França e órfão de pai, é enviado para ser criado, por razões desconhecidas, por Guillaume de Villon, deSaint-Benoît-le-Bétourné, que se tornará mais que um pai para ele e o mandará estudar na Faculdade de Artes de Paris para que ele se tornasse umclérigo. Em 1452, torna-se mestre em artes, em uma época bastante conturbada onde um grande número de diplomados vivia na miséria. 

Logo começa a ter problemas com a polícia, no fundo causados pela decisão do rei Charles VII que resolve suspender os cursos da faculdade entre 1453 e 1454.

Em 1455, envolve-se numa briga e fere mortalmente o padre Philippe Sermoise. Acredita-se que por uma rivalidade amorosa. Ferido nos lábios, Villon é obrigado a fugir de Paris. Graças ao seu status de pertencer ao clero, a sua ficha limpa anterior e ao perdão que obtém de Sermoise em seu leito de morte, consegue autorização para retornar em 1456. Neste mesmo ano, na noite de Natal, participa de um roubo no colégio de Navarre com alguns conhecidos, furtando um cofre repleto de moedas de ouro.

Antes de fugir, Villon compõe Le Lais, como um presente de adeus a seus amigos, anunciando sua intenção de seguir para Angers, deixando claro que sua fuga teria sido causada por um desespero amoroso. Um de seus "amigos", Guy Tabarie, é preso e confessa a participação de Villon no caso do roubo, confirmando ainda a intenção deste em fazer um novo furto. Não há informações a seguir sobre seu paradeiro, mas certamente prosseguiu sua marcha pelo vale do Loire.

É visto novamente em Blois, estando aí provavelmente desde dezembro de 1457, na corte de Charles d´Orléans, príncipe-poeta e mais tarde pai de Louis XII. No manuscrito onde Charles registra seus poemas e de sua corte, encontram-se três poemas assinados por Villon (provavelmente escritos ali por ele próprio). O mais longo deles celebra o nascimento de Marie d'Orléans em 19 de dezembro de 1457, filha de Charles e Marie de Clèves. 
Encontra-se a seguir preso por razões obscuras durante o verão de 1461 na prisão de Meung-sur-Loire), onde provavelmente compôs o Épître à ses amis e o Débat du cuer et du corps de Villon. É libertado alguns meses mais tarde durante uma visita de Louis XII em companhia de Charles d´Orléans à cidade e neste meio tempo perde sua ligação com o clero. Compõe então a Ballade contre les ennemis de la France com o interesse de chamar a atenção do rei sobre este fato, assim como Requeste au prince, à Charles d´Orléans. Como os dois rejeitam seu pedido, decide voltar para Paris.

Aparentemente é nesse período de andanças por Paris que ele teria escrito sua obra-prima Le testament (com algumas baladas possivelmente anteriores).

É preso novamente em 2 de novembro de 1462 por um roubo insignificante e processado pelo caso anterior do roubo no colégio. Obtém a liberdade sob condição de reembolsar a sua parte no roubo, 120 libras, uma quantia considerável para a época. Este período de liberdade tem curta duração. No fim do mesmo mês, Villon se envolve em uma briga na qual um notário da igreja que participou do interrogatório de Guy Tabarie é ferido. Ao que parece, seu amigo Robin Dogis teria provocado os homens do clero, enquanto Villon tentava separar a briga. Villon é preso no dia seguinte. Desta vez, ele não pôde escapar da justiça: perde seu estatuto clerical, é torturado e condenado a forca.

Enquanto aguarda em sua cela a decisão do parlamento de Paris, diante do qual ele apresenta uma apelação da sentença, escreve o Quatrain e a Ballade des pendus (Balada dos enforcados), poemas que não tem um registro preciso, mas que costumam ser ligados a esse momento dominado pelo medo.

Mas Villon tem sorte: em 5 de janeiro de 1463 a pena é reduzida a 10 anos de banimento da cidade. Ele escreve então a balada jocosa Question au clerc du guichet e o grandiloquente poema Louange à la cour, seu último texto conhecido. A partir de então não existem mais traços deixados por ele, restando apenas sua lenda.

Leia abaixo a íntegra do Poema Balada das Damas dos Tempos Já Idos e sua tradução, feita por Rafael Coelho
Ballade des Dames du temps jadis
(François Villon, 1461)

Dites-moi où, n'en quel pays,
Est Flora la belle Romaine
Archipiades, ne Thaïs,
Qui fut sa cousine germaine,
Echo, parlant quant bruit on mène
Dessus rivière ou sur étang,
Qui beauté eut trop plus qu'humaine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

Où est la très sage Héloïs,
Pour qui fut châtré et puis moine
Pierre Esbaillart à Saint-Denis ?
Pour son amour eut cette essoine.
Semblablement, où est la roine
Qui commanda que Buridan
Fût jeté en un sac en Seine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

La roine Blanche comme un lis
Qui chantait à voix de sirène,
Berthe au grand pied, Bietrix, Aliz,
Haramburgis qui tint le Maine,
Et Jeanne, la bonne Lorraine
Qu'Anglais brûlèrent à Rouen ;
Où sont-ils, où, Vierge souvraine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

Prince, n'enquerrez de semaine
Où elles sont, ni de cet an,
Que ce refrain ne vous remaine :
Mais où sont les neiges d'antan ?

Balada das Damas dos Tempos Já Idos
(Tradução de Rafael Coelho)

Diz-me onde, em que país
Está Flora, a bela romana
A arquipíada, como Taís,
que foi a sua prima germana;
Eco, fala ruído que emana
Do rio que ora, da lagoa que ora,
Que beleza mais que humana?
Mas onde estão, neves de outrora?

Onde está tão sábia Heloise
Por quem foi vezes condenado
Pedro Alardo em São Denise?
Por seu amor foi sacrificado.
Onde está, também, a açucena
Que mandou Jean jogar-se fora
num saco lançado ao Sena?
Mas onde estão, neves de outrora?

Rainha branca como lis
com voz de sirene cantava;
Berta a Pé-Grande, Beatriz, Liz,
Hamburga, que em Maine mandava,
E a Joana, bondosa lorena,
Que inglês em Ruão a queimava?
Onde estão, Virgem açucena?
Mas onde estão, neves de outrora?

Dom, é a pergunta da semana
Onde estão elas, questão da hora,
Questão que se faz cotidiana:

Um comentário:

  1. Muito bom relato da biografia de Villon. Pra mim mais do que o precursor da poesia maldita, pela sua poesia e sua vida, se trata de o primeiro jovem transgressor que temos registros, podemos chamá-lo de semente de Rimbaud.

    ResponderExcluir